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quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

EU LI: O homem que calculava














Encontramos perto de um antigo caravançará (refúgio construído pelo governo ou por pessoas piedosas à beira do caminho, para servir de abrigo aos peregrinos. Espécie de rancho de grandes dimensões em que se acolhiam as caravanas) meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos.

Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:

- Não pode ser!

- Isto é um roubo!

- Não aceito!

O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.

- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos como herança esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte, e, ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e, a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça e a nona parte de 35 também não são exatas?

- É muito simples – atalhou o homem que calculava. – Encarrego-me de fazer com justiça essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que em boa hora aqui nos trouxe!

Neste ponto, procurei intervir na questão:

- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem se ficássemos sem o camelo?

- Não te preocupes com o resultado, ó bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz – Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.

Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal (Uma das muitas denominações que os árabes dão ao camelo), que imediatamente foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.

- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos -, fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem em número de 36.

E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:

- Deverias receber meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saístes lucrando com esta divisão.

E dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:

- E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.

E disse por fim ao mais moço:

E tu jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias Recber uma nona parte de 35, isto é 3 e tanto. Vais receber uma nona parte de 36, isto é, 4 camelos. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!

E concluiu com a maior segurança e serenidade:

- Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir – partilha em que os três saíram lucrando – couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) 34 camelos. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois.

Um pertence, como sabem, ao bagdali, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido a contento de todos o complicado problema da herança!

- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos.

- Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!

E o astucioso Beremiz – o Homem que Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos “jamales” do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia.

- Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!

E continuamos nossa jornada para Bagdá.

(O Homem que Calculava: aventuras de um singular calculista persa, do escritor brasileiro Malba Tahan (heterônimo do professor Júlio César de Mello e Souza)

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